Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 18 a 24 de agosto/2014 | Ano 8 – Nº 644.
Marcos Antonio Fiorito *
Há poucos dias a notícia da morte do ator Robin Williams chocou o mundo. Até o dia em que este artigo foi escrito, os peritos ainda não haviam concluído o laudo sobre a sua morte, mas indícios apontam para suicídio. Hipótese verdadeira ou não, o certo é que ele vinha sofrendo seriamente de depressão. À primeira vista, é difícil entender como um homem favorecido com as mais ambiciosas conquistas do ponto de vista mundano, pudesse sentir-se tão infeliz a ponto de abreviar seus dias. Afinal, ele era um ator de sucesso, comediante de incontestável talento, conhecido no mundo todo e repleto de fãs. Pôde durante sua vida experimentar do que o mundo oferece de melhor – e de pior também, como álcool e drogas.
Sua vida faz-nos lembrar de alguns trechos do Livro do Eclesiastes, que descreve a frustração do Rei Salomão depois de saborear toda sorte de prazeres lícitos e ilícitos, e que, aparentemente, lhe traria a tão almejada felicidade:
“Eu disse comigo mesmo: Vamos, tentemos a alegria e gozemos o prazer. Mas isso é também vaidade. Do riso eu disse: Loucura! e da alegria: Para que serve? Resolvi entregar minha carne ao vinho, enquanto meu espírito se aplicaria ainda à sabedoria; procurar a loucura até que eu visse o que é bom para os filhos dos homens fazerem durante toda a sua vida debaixo dos céus.
“Empreendi grandes trabalhos, construí para mim casas e plantei vinhas; fiz jardins e pomares, onde plantei árvores frutíferas de toda espécie; cavei reservatórios de água para regar o bosque. Comprei escravos e escravas; e possuí outros nascidos em casa. Possuí muito gado, bois e ovelhas, mais que todos os que me precederam em Jerusalém.
“Amontoei prata e ouro, riquezas de reis e de províncias. Procurei cantores e cantoras, e o que faz as delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres. (…) Tudo que meus olhos desejaram, não lhes recusei; não privei meu coração de nenhuma alegria. Meu coração encontrava sua alegria no meu trabalho; este é o fruto que dele tirei. Mas, quando me pus a considerar todas as obras de minhas mãos e o trabalho ao qual me tinha dado para fazê-las, eis: tudo é vaidade e vento que passa; não há nada de proveitoso debaixo do sol” (Ecl 1, 1-11).
Santo Afonso de Ligório afirmou que na vida de quem ama a Jesus Cristo, não existe ambição desmedida pelas coisas materiais. Sua ambição é o próprio Cristo. O desprendimento, o desapego das coisas deste mundo é a força daquele que ama realmente a Deus.
Em teoria todos conhecem o preceito cristão que prega a necessidade de desapegar-se das coisas do mundo, de esvaziar-se de si mesmo para encher-se de Deus e, assim, alcançar a união com o Criador. Porém algo em que bem poucos refletem é do quanto a natureza nos prepara para o desapego através do processo de envelhecimento. Nossos primeiros anos são cheios de vida, de fantasias, de sonhos, de esperanças e ambições. Queremos sorver tudo o que há de mais prazeroso. Entretanto, com o tempo nosso edifício vai apresentando rachaduras e assim vamos entrando em decadência. Os médicos nos pedem que cortemos certos alimentos – alguns especialmente apetecíveis; certas bebidas também são eliminadas do cardápio… Perdemos a natural hidratação da pele, que afrouxa e vai se enchendo de rugas. Músculos vão perdendo massa e ossos ficam frágeis. Há perda de memória, o raciocínio fica mais lento e a visão apresenta problemas. Por fim, chega-se a um grau tão severo de decrepitude, que gozar a vida torna-se praticamente impossível. Faz-me lembrar de uma espirituosa expressão atribuída ao filólogo francês Henri Estienne: “Si jeunesse savait, si vieillesse pouvait.” “Se a juventude soubesse, se a velhice pudesse!”.
Em vão luta-se contra os efeitos do tempo… Não nascemos para uma medíocre vida terrena, mas para gozar da presença de Deus no Céu, e por toda a eternidade. Preparemo-nos!
* O autor é teólogo e redator católico
(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)
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