Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 15 a 21 de maio/2017 | Ano 11 – Nº 776.
Marcos Antonio Fiorito *
Quando falamos em virtude partindo do ponto de vista cristão e até de muitas outras religiões, estamos falando no hábito de praticar o bem, praticar aquilo que é condizente com a moral, aquilo que é justo e reto. Note-se que se está falando em hábito, ou seja, numa prática que se repete estavelmente; portanto não se está falando de uma prática sazonal, intermitente. Virtude é uma palavra de origem latina “virtus”, que significa força. De fato, é uma força moral, um vigor, um valor indubitável. E a virtude tem estreita ligação com a nossa vida espiritual, nossa vida interior. Enquanto a virtude é sinônimo de força, de vigor, o vício é sinal de extrema fraqueza de espírito, é a derrota moral.
Curiosamente, para os gregos virtude tinha outro sentido: era sinônimo de um talento natural. É o que nos ensina o Profº Clóvis de Barros Filho em suas aulas sobre Ética na USP ou em uma de suas brilhantes conferências por diversos cantos do País. Com autoridade, ele nos explica que o grego considerava de forma bastante positiva o fato de a pessoa descobrir os seus talentos e desenvolvê-los ao extremo. Isso era tão valorizado, que eram considerados como fracassados aqueles que vivessem como um zé-ninguém, um pária na sociedade, pois estes não puderam descobrir suas virtudes e assim desenvolvê-las a contento. Não seriam bem vistos, ficariam relegados a trabalhos humildes e sem expressão.
Um grego que descobrisse o dom de esculpir e o desabrochasse, teria não só lugar na sociedade, como sentiria que sua vida tem um real sentido. Sócrates procurou em sua vida encaixar-se em outras situações, como político ou militar, no entanto acabou por descobrir que o seu chamado era a busca pela sabedoria. E viver plenamente a sua finalidade fez dele o pai da filosofia antiga.
Passando para o mundo da Roma dos Césares – bastante influenciada pela cultura grega – temos um exemplo estupendo de potencial bem explorado na pessoa do imperador Adriano. Ele era extremamente talentoso, pois lidava com inúmeras artes: escultura, literatura, pintura, línguas, matemática, arquitetura e outras ciências mais. Sem contar suas habilidades voltadas para o mundo do esporte e do atletismo.
Transpondo esse pensamento para os dias de hoje, vemos que muito disso se repete. Inúmeras pessoas passam pela vida ignorando seu potencial verdadeiro. Parece bastante deprimente a ideia de viver toda uma existência sem conhecer sua principal habilidade, ou habilidades… Mas é o que ocorre, lamentavelmente, com inúmeras pessoas.
O Brasil tem sido um celeiro de revelações do futebol, jovens que se destacam no mundo da bola são transferidos para outros países e lá percorrem uma carreira de fama invejável. Porém quantos outros ignoram que têm tanto talento ou mais que seus conterrâneos de sucesso? Muitos, por capricho do destino, então enfurnados em situações que nunca permitirão que eles explorem e desenvolvam o melhor da sua capacidade.
Obviamente, estamos dando um exemplo do esporte que é a paixão nacional, entretanto há qualidades bem mais expressivas e nobres, como arte musical, oratória, docência, talento para a área de saúde, arquitetura, literatura, direito, vocação religiosa autêntica, etc.
Isso nos leva à conclusão que é preciso ter sabedoria e mente aberta para buscar e explorar o nosso potencial, pois inúmeras são as habilidades. Também é importante ter presente que ninguém nasceu para ser um zé-ninguém, um inútil, um ser incapaz de desabrochar alguma qualidade superior e fazer-se respeitar. Mais uma vez vale, aqui, recordar-se do velho Sócrates quando nos estimula a conhecermo-nos a nós mesmos. Ainda que a frase tenha muita profundeza filosófica, não impede de forma alguma que ela seja interpretada e aplicada ao que propomos.
* O autor é teólogo e escritor. | [email protected]
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