Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 03 a 09 de novembro/2014 | Ano 8 – Nº 655.
Marcos Antonio Fiorito *
“Adula o teu filho e ele te causará medo (…). Não lhe dês toda a liberdade na juventude, não feches os olhos às suas extravagâncias: obriga-o a curvar a cabeça enquanto jovem, castiga-o com varas enquanto ainda é menino, para que não suceda endurecer-se e não queira mais acreditar em ti, e venha a ser um sofrimento para a tua alma. Educa o teu filho, esforça-te (por instruí-lo), para que te não desonre com sua vida vergonhosa” (Eclo 30, 1-13).
Nesta jornada terrena, naturalmente, todo ser vivente e racional testemunhou os mais diversos modos do agir humano, e poderia narrar quase indefinidamente suas impressões a respeito. Por isso compartilho aqui, com o leitor, uma impressão que vai se fortalecendo em minha mente cada vez mais, à medida que tomo contato com famílias relativamente jovens.
Se recorrermos ao dicionário da Língua Portuguesa à procura de um sinônimo para “mimado” logo iremos encontrar o vocábulo “estragado”. É até comum no Nordeste ouvirmos o emprego dessa última forma com relativa frequência. E, de fato, uma criança mimada pelos pais ou avós se torna uma criatura estragada.
À primeira vista, é algo que perdura algum tempo; depois vem o período duro de faculdade e trabalho; estes parecem reverter o estrago ocasionado na infância. Entretanto não é o que acontece na maioria das vezes.
Certa ocasião alguém afirmou que a infantilidade tem muito a ver com o fato de a pessoa em questão sentir-se o centro do universo. E é bem assim! Se observamos com agudeza de espírito, veremos que a reação de qualquer criança é imaginar que tudo ao seu redor é feito para servi-la. Isso ocorre em boa medida pelo fato de ela habituar-se a ver seus pais, avós, tios e amigos da família devotar-lhe um cuidado todo especial, como se fosse o objeto principal de atenção da casa.
Evidentemente o rebento necessita de cuidados especiais, porém a boa formação deveria, gradualmente, fazer com que a criança progredisse para um estágio maior de independência, fazendo-a enfrentar certas dificuldades como parte do processo de amadurecimento, até atingir o estado adulto. Presume-se, aí, que ela está preparada para desafios maiores, como aprofundamento nos estudos, mercado de trabalho competitivo e constituição de família.
No entanto, o século 21 parece ser um viveiro de filhos estragados. Quando a gente visita uma família por uma razão qualquer, seja por amizade ou trabalho, é comum deparar-se com crianças soberbas, indolentes e irascíveis, que não aceitam nunca o “não” como resposta. Que impõem sua vontade sobre a dos pais como verdadeiros ditadores do lar.
A “receita” para estragar um filho ou neto todos conhecem: nunca lhe negue nada, faça-lhe todas as vontades, nunca o desagrade, encha-o de mimos e presentes; sobretudo não exija nada dele com rigor, ele é um cristal fino, pode romper-se…
Um erro “n” vezes repetido é dos pais que trabalham demasiadamente e não acompanham o dia-a-dia dos filhos. Querem suprir-lhe a sua ausência enchendo-os de regalos caros, não cobrando-lhes postura, educação, foco nos estudos, nada. Afinal, nunca os vê, é antipático puxar-lhes as orelhas.
Por fim, o mimo demasiado acaba por despreparar nossos filhos para as agruras da vida, que, queiramos ou não, irá exigir deles que sejam bons combatente, pois, do contrário, serão consumidos pelo álcool e pelas drogas, pelo sexo livre e irresponsável, pelas baladas intermináveis e por toda sorte de desvarios, próprios de quem está acostumado a receber tudo sem esforço, sem luta, sem qualquer merecimento.
* O autor é teólogo e redator católico
(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)
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