Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 21 a 27 de julho/2014 | Ano 8 – Nº 640.
Marcos Antonio Fiorito *
Uma discussão tão antiga quanto o cristianismo é aquela entre fé e razão; menos antiga, e no entanto não menos intrincada, é a discussão entre ciência e fé. Na verdade elas se assemelham muito quando se pensa que a maior parte das vezes os polemistas invocam provas materialistas contra a Revelação divina. O assunto é complexo, por isso iremos tratar aqui da discussão sem muitas pretensões filosóficas, serve mais à guisa de reflexão.
Pouco depois de acender ao pontificado, no dia 29 de junho de 2013 o Papa Francisco nos apresentou a sua primeira encíclica, intitulada Lumen Fidei (Luz da Fé). Em síntese, o propósito do documento é recordar aos cristãos que “a luz da fé possui um carácter singular, sendo capaz de iluminar toda a existência do homem”: “Eu vim como a luz do mundo, para que todo o que crê em Mim não fique nas trevas” (Jo 12, 46).
Contrariamente ao que muitos afirmam ou pensam, a cultura cristã não prega uma fé dissociada da razão, mas propõe uma colaboração mútua, segundo o programa agostiniano-anselmiano (doutrina ensinada pelos santos Agostinho e Anselmo) da fides quaerens intellectum, ou seja a fé busca articular-se com a razão. Portanto é natural ao ser humano que crê procurar uma explicação racional para a sua crença. Porém devemos compreender que há nisso limitações, é quando entramos no campo dos mistérios. E é nesse campo que a fé apresenta o outro lado da sua dimensão, bem explicada por Santo Tomás de Aquino, quando ensina que ela é um dom que vem em auxílio da razão. É natural que a criatura não chegue a entender por completo o Criador; e tal seria, se assim fosse, não seria uma criatura, mas um ser da mesma categoria, da mesma grandeza que o Criador. Nem por isso a Teologia deixa de se aprofundar nas verdades da fé, pelo contrário, ela tenta cada vez mais penetrar nas realidades mais enigmáticas, vendo nisso uma forma excelente de se aproximar de Deus.
Reconhecer os limites da razão sem deixar de fazer uso dela é algo bem mais racional que o proposto por Marguerite Yourcenar, escritora belga, quando afirmou que para solucionar o problema deveríamos suprimir a fé. Segunda ela, houve uma época na antiguidade em que o mundo vivia uma espécie de tranquilidade materialista, já que “Os deuses estavam mortos e Cristo ainda não tinha vindo, por um momento o homem esteve só.”…
A verdade é que não deve causar surpresa ver o crente, diante da imponência dos mistérios, se curvar em atitude de respeito. A mesmíssima coisa faz o estudioso quando, diante do mistério da vida, “entrega os pontos” e reconhece a pequenez da ciência diante do fato, afinal ela não sabe explicar…
O “maravilhar-se diante do mistério da criação” de que fala o Papa Francisco em sua carta encíclica nos recorda a atitude de inúmeros cientistas que fazem de seus estudos uma busca pela existência de Deus. Muitos, durante suas pesquisas, constatam que uma natureza tão perfeita, uma galáxia tão esplêndida não poderiam existir sem uma Causa eficiente.
Assim concluiu o Doutor Domenico E. Ravalico quando escreveu seu livro “A Criação Não é um Mito” (Ed. Paulinas, 1977). A obra discorre com riqueza de detalhes sobre o universo existente no DNA humano, as inúmeras descobertas da ciência sobre a composição da célula, etc. Para ele, uma realidade tão perfeita e tão complexa não poderia existir sem o “planejamento” de uma inteligência superior “n” vezes à nossa.
É nisso que consiste justamente para o crente a beleza das nossas existências: criaturas humanas, dotadas de razão, e que não só pela fé, mas até mesmo através da razão, reconhece que, diante da grandeza da criação, fazemos parte do conjunto de uma obra e de um plano que só encontra explicação na essência de um Deus eterno, puro e infinito.
* O autor é teólogo e redator católico
(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)
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