Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 04 a 10 de agosto/2014 | Ano 8 – Nº 642.
Marcos Antonio Fiorito *
O mundo vai se transformando e com ele surgem novas doenças, frutos da maneira ultramoderna de se viver. O transtorno de dependência da internet é uma delas, caracterizado pela vontade compulsiva de acessar a rede mundial de computadores horas a fio. Há casos tão graves que a dependência leva o internauta a ficar sem comer por horas, sem dormir, sem banhar-se e a fazer suas necessidades fisiológicas em qualquer lugar… Tudo para não desgarrar-se do computador, tablet ou smartphone. Parece inverossímil, porém o problema vem sendo tratado com seriedade por especialistas na área de psiquiatria e psicologia. De certa forma, é mais uma fuga da realidade, tal como fazem os usuários de drogas. Para alguns, é mais fácil viver no mundo virtual que no mundo real…
Mas essas doenças não atingem só a saúde física e mental, muitas delas são também espirituais. É o que acontece com o que podemos chamar de tentação da autossuficiência. Sim, isso mesmo, autossuficiência. Tudo começa quando se descobre a infinidade de informações úteis que encontramos quando navegamos na internet.
Você precisa de um remédio para manchas que apareceram em seus braços? Para que ter o trabalho de ir ao médico? O “irmão” Google encontra tudo! Digite “vermelhidão nos braços” e pronto, você terá inúmeras dicas de como resolver o assunto.
Você está assistindo a TV e no filme a protagonista usa uma palavra desconhecida. Para que vou perguntar a quem está ao meu lado? Eu tomo o meu smartphone e acesso o aplicativo de um dicionário em português. Voilá! Tenho o significado imediatamente.
Sua roupa manchou? Pergunte a sua mãe, ela tem larga experiência no assunto. – “Para quê? Eu tenho a solução na internet.” – E por aí vai…
A sensação pode ser muito agradável, porém corre-se o risco de isolar-se cada vez mais no próprio casulo; de caminhar sem depender de ninguém. Hoje Platão não teria orgulho de ser discípulo de Sócrates, nem Aristóteles de ser aluno de Platão. Todos beberiam da fonte virtual do cyberespaço.
Recentemente o site G1 noticiou que um jovem de 15 anos bateu o recorde mundial ao montar um cubo mágico com os pés em apenas 30 segundos. Sem dúvida é uma façanha digna do Guinness Book; porém a decepção surge quando o jovem revela que aprendeu a desvendar os segredos do brinquedo lendo dicas na internet… De fato, até isso encontramos na Web, a solução para o cubo mágico. Chegamos num patamar onde já não se sabe quando realmente é talento, quando é cola…
Ser autossuficiente é bastar-se a si mesmo. Guardada todas as proporções, quando Lúcifer se rebelou contra o Altíssimo, foi justamente pelo anseio de ser dono de si mesmo, não ser criatura, mas criador… O mesmo aconteceu com Adão e Eva, que acreditaram na promessa da serpente: “… sereis como deuses” (Gn 3, 5).
A tentação da autossuficiência é velha como o diabo, a diferença está apenas na modalidade. É nada mais, nada menos que uma forma de orgulho.
O verdadeiro sábio tem a humildade de perguntar, não importa se o interlocutor é mais velho ou mais novo, é professor ou aluno, é letrado ou não. O conhecimento deve ser compartilhado e transmitido não só através de livros e computadores, mas sobretudo de forma viva. Há realidades que só se adquire pelo contato humano, pelo amor com que se ensina e aprende.
* O autor é teólogo e redator católico
(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)
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