Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 22 a 28 de setembro/2014 | Ano 8 – Nº 649
Marcos Antonio Fiorito *
Diz o provérbio que o homem propõe, Deus dispõe… Dediquei meus dois últimos artigos ao tema da vaidade, desapego, vazio interior e necessidade do Divino. Não imaginei que uma circunstância iria quase me obrigar a dar continuidade ao assunto.
Em recente viagem à cidade de São Paulo, tive oportunidade de visitar uma clínica dedicada a idosos. Com exceção dos funcionários, a casa abrigava praticamente anciãos com sérios problemas de saúde, a maioria mulheres. O ambiente era assaz melancólico e, com exceção de uma ou duas, as pobres não diziam coisa com coisa. Era preciso esforçar-se para ver algum sentido em suas frases. Uma senhora, portadora de Alzheimer, o tempo todo perguntava de sua família, dizendo que estava esperando seus filhos para ir para casa. De fato alguns desses idosos não veem seus parentes há algum tempo. Para agravar, a maioria deles padece de problemas neurodegenerativos, o que confere uma nota ainda mais desoladora ao lugar.
Tudo ali é muito rotineiro, quase sem vida e movimento, de forma que lhes fazer uma visita levando-lhes algo é uma verdadeira obra de caridade. Entretanto, é impossível ver aquelas senhorinhas todas no fim de sua existência terrena e não refletir a respeito de o quanto as pessoas hoje dão demasiado valor à beleza física, à saúde e ao dinheiro.
Quando comparamos o mundo moderno ao antigo, sobretudo das civilizações greco-romanas, nos deparamos com inúmeras semelhanças, sobretudo no tocante ao modo pagão de se viver. Alguns intelectuais e críticos católicos acusam o modus vivendi moderno de neopaganismo, e com uma boa parcela de razão, senão com toda razão…
No mesmo sentido, o Papa São João Paulo II, em seus documentos e discursos, afirmou várias vezes que a civilização cristã vive um secularismo sem precedentes. Secularismo, para quem desconhece o termo, significa uma tendência de nossa sociedade rumo a uma vida laica, sem fé e religião.
Os antigos pagãos cultuavam bios e mamom (vida e dinheiro) de forma excessiva e muito semelhante à idolatria do mundo moderno pela beleza física e enriquecimento. Por isso entendemos o porquê da advertência de Cristo aos judeus, frequentemente influenciados pelos costumes gentios: “Quem quiser, pois, salvar sua vida, perdê-la-á.” (Mc 8, 35). E em outra ocasião: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” (Lc 16, 13).
Em nossas cidades pululam salões de beleza, clínicas de estética e cirurgia plástica; academias e lojas com roupas, sapatos e toda sorte de adereços para tratar e ornar o nosso corpo; porém os verdadeiros salões de beleza espiritual, as igrejas, são cada vez menos procurados. As vocações religiosas, sobretudo na Europa, estão minguando, quase desaparecendo. Vive-se uma demasiada preocupação com a vida terrena, e esquece-se da beleza espiritual, que é a forma adequada de nos apresentarmos a Deus no dia de nosso juízo particular.
Nesse sentindo, era interessante ver as idosas falar, repetidamente, de o quanto eram bonitas e atraentes; de o quanto eram assediadas por belos e ricos candidatos… Onde foram parar toda a sua vaidade, atratividade e beleza? Não lhes resta mais nada… Da vida só lhes resta a memória dos tempos de mocidade, mais alguns anos, meses ou dias…
Sic transit gloria mundi! “Assim passa a glória do mundo!”.
* O autor é teólogo e redator católico
(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)
Veja também: Depressão, vazio interior e orfandade espiritual