Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 26 de setembro a 02 de outubro/2016 | Ano 10 – Nº 747.
Você se preocupa com o aquecimento global? O derretimento das geleiras tem lhe inquietado? A destruição da Síria e os milhares de refugiados que aportam diariamente o litoral europeu causam-lhe mal-estar? Falando com muita franqueza, deixando de lado o tom de benevolência que comumente um articulista se utiliza para ter mais aceitação do público, a verdade é que a maioria dos viventes parece estar pouco se lixando para essas questões. Não é para menos que, segundo muitos estudiosos, a geração hodierna poderia receber a alcunha de “geração do entretenimento”.
O mundo vive permeado pelo lúdico físico e virtual. Por todos os lados o que se vê é a dicotomia trabalho x diversão. Ou você está dando duro para ganhar dinheiro ou você está se refugiando no lazer. Aliás, trabalho hoje tem como objetivo ganhar dinheiro para fruir ao máximo. Nada mais lícito que descansar de forma prazerosa, mas assim como não se pode viver só para trabalhar, não se pode viver só para o lazer. É preciso reservar um tempo para a reflexão.
A tecnologia proporcionou-nos um ritmo tão acelerado de vida, que o homem se engolfa no lufa-lufa do dia-a-dia e perde o hábito precioso da reflexão. Na antiguidade, o homem levava de longe mais tempo para fazer um percurso, arar a terra, construir uma máquina rudimentar, um moinho, etc., no entanto ele trabalhava numa velocidade muito mais orgânica e condizente com a ordem da natureza. A diferença no ritmo de vida entre um aldeão e um indivíduo que morava numa metrópole não era nem de longe o que vemos hoje. O homem moderno vive azafamado, corre tanto que já nem sabe por que tem pressa. Não é à toa que inúmeras doenças surgem em função do estresse diário. E o estresse não se dá só em decorrência do trabalho, mas também em função do engajamento virtual: é preciso checar os e-mails, Facebook, Instagram, WhatsApp, Telegram, Linkedin e Google+; navegar e pesquisar na Internet; fora os joguinhos eletrônicos do smartphone, tablete e PC… Ah, uma pausa para a selfie! Não se pode esquecer, ela é fundamental!
Pedro Morais Vaz, discorrendo sobre o assunto no seu blog(1), chama atenção pela precisão com que põe o dedo na chaga: “O entretenimento, quando não é moderado, tende a tornar-se numa verdadeira doença. Uma doença tão forte que nos remete para o esquecimento pessoal e que nos impede de viver a vida real. Estamos entretidos quando partilhamos estados e comentamos fotografias no Facebook, Instagram e Twitter. Estamos entretidos quando nos enterramos no sofá a devorar séries, novelas e filmes. Estamos entretidos quando jogamos incessantemente candy crush e 2048. Tudo são formas de passar o tempo e de não nos encontrarmos conosco próprios. É incômodo reconhecê-lo? Claro que é. Todos nós o fazemos, uns mais, outros menos.”.
Quando se chega ao cúmulo de um adulto maduro atravessar uma cidade para “caçar” um monstrinho virtual é porque nossa civilização perdeu completamente o norte. E não ouse tecer uma crítica, porque você ouvirá um irrefutável: — “Isso não tem nada de mais!”
Enquanto na antiguidade o grego povoava seus pensamentos com questões que indagavam a respeito da origem do mundo e da humanidade, da melhor forma de se viver, do para que existimos e para onde vamos após a morte, o homem pós-moderno apenas vive e se deixa levar pelos acontecimentos. Afinal, para que refletir, para que pensar? Os animais vivem muito bem de forma espontânea e instintiva, e parecem totalmente realizados. Por que não imitá-los?
* http://causasminhas.blogspot.com.br/2014/11/a-geracao-do-entretenimento.html
* O autor é teólogo e docente de ensino superior
Autoriza-se publicação com citação do autor!
Veja também: Por que tantos abreviam suas vidas?