Resposta a uma pergunta sobre o artigo “Pode-se provar a existência de Deus?”

photo credit: Northern Cardinal via photopin (license)

Há poucos dias, recebi do caríssimo Dr. Ricardo Tenório o seguinte comentário a respeito do artigo “Pode-se provar a existência de Deus?”:

Belíssimo texto, caro Marcos. Com as cinco vias de São Tomás, ali muito bem resumidas, a razão fica plenamente coberta de compreensão e pode descansar. Assim, o convencimento racional se afigura algo não apenas alcançável como demonstra a irracionalidade de dizer-se fora da prova científica a existência divina. A falta de razão reside no outro lado, na descrença, na ausência de fé.

E quanto aos seres irracionais, a Providência Divina é quem os guia, esclarece o autor. Os animais todos, por esses raciocínio, assim como as plantas, as árvores, a natureza enfim, também composta por seres vivos sem alma e, portanto, irracionais, estariam indistintamente ao comando do Divino, se bem entendi. Ou seja: a Providência Divina dá a direção e o sentido dos seres irracionais. Mas fica a questão: nós, humanos, seres por definição racionais, até onde nos guiamos? Será que o chamado livre arbítrio é tão livre assim?

Parabéns, uma vez mais, muito digno mediador.


Abaixo minha resposta à questão levantada:

Muito caro e estimado Dr. Ricardo,

Paz e bem!

Sempre me sinto refém de sua generosidade, encontrando-me sem palavras para expressar minha gratidão. Que Deus o mantenha sempre assim, magnânimo.

Quanto à questão de como Deus conduz os seres irracionais, não se dá de forma intervencionista, embora possa haver casos episódicos. Normalmente falando, como diz São Tomás, Deus age por causas segundas. Deus criou tudo de uma forma tão perfeita, que lhes dá até instintivamente o modo como sobrevivem. Por isso Nosso Senhor diz no Evangelho:

“Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. (…) Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles” (Mt 6, 26-29).

No que diz respeito aos seres inteligentes, Deus os criou dentro de um plano mais excelso, pois são chamados a participarem da sua glória eterna, gozando de sua presença face-a-face no Céu. A isso chamamos de visão beatífica e nisso se resume a bem-aventurança.

Deus constitui os anjos e os homens a sua imagem e semelhança, a saber: possuem inteligência, vontade e liberdade. Por isso o homem é senhor de seus atos. E por ter livre arbítrio, pode escolher por si mesmo o seu caminho, ainda que adverso do estabelecido por Deus.

Apesar do pecado original, Deus nos inspira ao bem através da nossa consciência fortificada pela graça.

Há dois tipos de graça: Graça habitual ou santificante e graça atual. A graça santificante é um dom divino, que nos torna filhos adotivos de Deus, herdeiros de sua glória e irmãos de Jesus Cristo. Ela nos dá um incalculável privilégio, que é a participação da natureza divina, como nos ensina São Pedro:

“O poder divino deu-nos tudo o que contribui para a vida e a piedade, fazendo-nos conhecer aquele que nos chamou por sua glória e sua virtude. Por elas, temos entrado na posse das maiores e mais preciosas promessas, a fim de tornar-vos por este meio participantes da natureza divina, subtraindo-vos à corrupção que a concupiscência gerou no mundo” (II Pd 1, 3-4).

Já a graça atual nos é dada em socorro – muito em função de nossa miséria humana – e nos auxilia à prática da virtude. Ela move nossos corações para o sentido do bem. Ela pode converter uma alma petrificada no mal, pode nos estimular à santidade, pode nos inclinar a fazer atos de caridade, fortalecer nossa vontade, etc. Enfim, são muitas as atribuições da graça atual.

Através dos sacramentos, dilatamos o nosso estado de graça; através da graça atual resistimos melhor às tentações e progredimos na vida espiritual. Portanto, é através da correspondência à graça que nós mantemos nossa vida sobrenatural.

Há quem tenha dificuldade de entender essa questão do livre arbítrio, até que ponto o homem é capaz de escolher por si só um determinado caminho.

A Igreja nos ensina que Deus nunca toca em nosso livre arbítrio, nunca escolhe por nós. Muito menos o Maligno pode nos forçar ao erro sem nosso consentimento. Contrariamente ao que dizia Lutero, que defendeu que o homem é como um jumento. Para ele, ora Deus o arrasta para o bem, ora o demônio o arrasta para o mal.

Calvino também desfigurou a doutrina do livre arbítrio quando expôs sua doutrina a respeito das predestinações. Segundo ele, os homens são destinados ao Céu ou Inferno independentemente de uma vida reta ou desviada.

Deus não nos criou como robôs, ou seja, programados para o bem ou o mal. Temos liberdade de seguir uma via, ainda que ela nos conduza ao precipício.

É semelhante aos pais que aconselham seus filhos e, apesar de tudo, tomam outro destino, perdendo-se. A diferença é que Deus nos adverte e nos socorre através de sua graça, tornando a nossa escolha ainda mais responsável.

Temos um exemplo claro de intervenção vigorosa da graça em Saulo de Tarso, que de perseguidor dos cristãos, tornou-se o maior de todos os apóstolos de Cristo. Embora ele tenha recebido uma graça eficaz, que se difere de uma graça comum, ainda assim teve que dar o seu consentimento.

Como ensinam São Tomás de Aquino e São Boaventura, a graça não destrói a natureza, mas a aperfeiçoa.

Em Jesus e Maria

Marcos Antonio Fiorito

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Veja também: Pode-se provar a existência de Deus?

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